"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém" Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios

"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém [...]". (Carta do Apóstolo Paulo aos cristãos. Coríntios 6:12) Tudo posso, tudo quero, mas eu devo? Quero, mas não posso. Até posso, se burlar a regra; mas eu devo? Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, ética é o conjunto de valores e princípios que [todos] usamos para definir as três grandes questões da vida, que são: QUERO, DEVO, POSSO. Tem coisas que eu quero, mas não posso. Tem coisas que eu posso, mas não devo. Tem coisas que eu devo, mas não quero. Cortella complementa "Quando temos paz de espírito? Temos paz de espírito quando aquilo que queremos é o que podemos e é o que devemos." (Cortella, 2009). Imagem Toscana, Itália.































sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Os melhores professores para as piores escolas


Marilia Carrenho Camillo

Essa foi a solução sugerida pelo especialista em educação e ex-representante da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) no Brasil, Jorge Werthein. O Brasil vai mal em leitura! Segundo dados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), exame aplicado a cada três anos em 65 países e divulgado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil, na última prova, a de 2009,  quase a metade dos estudantes de 15 anos, ou 49,6%, está abaixo dos níveis de proficiência básicos na qualidade da leitura.
O teste de leitura do PISA avalia o “entendimento, uso, reflexão sobre e interesse por textos escritos [...]” (Agência Brasil apud Jornal Bom Dia, 10/12/2010). Esses dados sintetizam a dificuldade dos nossos jovens no desenvolvimento de análises teóricas e de conhecimentos potenciais; esvaziando-os de cidadania.
412 foi a nota média dos estudantes brasileiros, proporcionando a vergonhosa posição de 53º no ranking da leitura, abaixo de países como Uruguai e Colômbia. Dificuldade de reconhecimento da ideia principal de um texto, entendimento de relações ou construção de significados e o implemento do conhecimento dedutivo e hipotético-dedutivo, foram apresentadas pelos estudantes abaixo do nível básico. Na média geral São Paulo teve 409 pontos enquanto que Alagoas ficou em último lugar na média nacional com 354 pontos em leitura. Em primeiro lugar está o Distrito Federal que alcançou 449 em leitura, mais ainda assim, está abaixo do atingido pelos países-membros da OCDE. “Quanto maior o nível de desigualdades sociais de um país, mais ela se reflete na educação” comenta Werthein, que propõe a criação de medidas específicas para atender os estados com os sistemas de ensino mais deficientes, com políticas diferenciadas para minimizar as disparidades das regiões menos favorecidas. Como sugestão ele coloca que seria necessário alocar para as piores escolas, os melhores professores.
Segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o analfabetismo no Brasil caiu 7%. O número de analfabetos com 15 anos ou mais no país caiu entre 2004 e 2009. Isso representa um milhão de analfabetos, a menos, em todas as regiões do Brasil. É o preenchimento de um vácuo na cidadania de um milhão de brasileiros. No entanto, ainda existem cerca de 14.104.984 de cidadãos nessa lamentável situação. Em relação aos analfabetos funcionais (pessoas que não compreendem o que lêem), houve, também, uma queda. Entretanto, na relação raça/cor são identificadas profundas desigualdades entre os níveis de analfabetismo entre brancos e negro-pardos, segundo o Ipea.
Jorge Werthein, esse especialista em educação, me fez recordar essa manhã de um passado não muito distante na minha vida profissional, quando eu comparecia àquelas enfadonhas atribuições de aulas nas escolas estaduais, quando ainda morava em São Paulo e iniciava minha carreira como professora, na rede pública de ensino. Eram horas e horas de uma fatigante espera para descobrir onde iriam sobrar aquelas tão esperadas aulinhas de História. Era ACT! Os velhos abutres efetivos se fartavam sobejamente de quase todas as aulas das melhores, mais bem localizadas e mais bem equipadas escolas. Daquelas munidas das "melhores infraestruturas" e, principalmente, daquelas que eram mais tranquilas. Cabia a nós, os ACT's, assistirmos àquele espetáculo de fartura educacional, sem arredarmos o pé. Após suprirem-se com superabundância de jornadas plenas saíam saciados e felizes. Nós, os ACT's, ficávamos com as migalhas, os restos, o saldão, as aulas remanescentes. Éramos os professores mais jovens, menos experientes é claro, mas autores dos melhores propósitos, dos projetos mais arrojados, donos de maior quantidade de paciência. Acreditávamos!! Mesmo assim, com toda aquela vontade; éramos despachados para as "piores" escolas. As mais problemáticas em termos disciplinares, devido à maior incidência de ocorrências, as mais distantes. Arrematando, aquelas que ninguém queria lecionar. Também saíamos felizes, pois o nosso desafio era mais nobre.
Foram nessas escolas, "as piores" que iniciei minha carreira no magistério. Foram nelas que me tornei educadora e são delas as melhores lembranças que guardo dos melhores trabalhos já realizados. No meu mais prematuro julgamento, de professor recém formado, éramos os melhores professores nas piores escolas. Hoje, separando o joio do trigo e, sem depreciar os colegas mais antigos de carreira, avalio que éramos os melhores professores, nas melhores escolas. Tirávamos leite de pedra. Trabalhávamos com um estoque mínimo de infraestrutura. O acervo de conhecimento científico dos alunos era pequeno, mas suas vivências eram imensas. Foi numa dessas "piores" escolas que consegui motivar mais de duzentos estudantes a participarem da passeata dos cara-pintadas. Foi noutra dessas "piores" que consegui montar, em caixas de papelão,  uma biblioteca com mais de 300 livros em seu acervo. Era uma biblioteca itinerante que rodava cerca de quatro comunidades da região do distrito de Capão Redondo, periferia da zona sul de São Paulo. Jovens que iam de chinelas para a aula (naquela época não era chique), leram Kafka, Richard Bach, Machado de Assis, etc. Foi nessa comunidade que assisti o meu primeiro show de hip hop. Foi para essas comunidades que uma amiga educadora e eu tentamos apresentar um projeto de Biblioteca Itinerante à Secretaria Estadual da Cultura, na gestão de Cláudia Costin, que acabou pedindo demissão ao então governador Geraldo Alckmin. Nós também não tivemos sucesso com o projeto, enquanto os ônibus-biblioteca enferrujavam no tempo, estacionados próximos à antiga Estação Júlio Prestes. Nas escolas, dificilmente ficávamos no ano seguinte.
Hoje, passados 16 anos de contato com o pó de giz, leciono em colégio e universidade particulares, dignos de uma infraestrutura incomparável àquelas do início da minha jornada. A jornada demorou a se tornar plena. Eu é quem sempre fui e continuo sendo plena nas minhas ações enquanto educadora. Não me efetivei e continuo acreditando!

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Brasil vai mal em leitura. Jornal Bom Dia. Agência Bom Dia, Seção dia a dia Educação. 10/12/2010. p. 10