"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém" Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios

"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém [...]". (Carta do Apóstolo Paulo aos cristãos. Coríntios 6:12) Tudo posso, tudo quero, mas eu devo? Quero, mas não posso. Até posso, se burlar a regra; mas eu devo? Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, ética é o conjunto de valores e princípios que [todos] usamos para definir as três grandes questões da vida, que são: QUERO, DEVO, POSSO. Tem coisas que eu quero, mas não posso. Tem coisas que eu posso, mas não devo. Tem coisas que eu devo, mas não quero. Cortella complementa "Quando temos paz de espírito? Temos paz de espírito quando aquilo que queremos é o que podemos e é o que devemos." (Cortella, 2009). Imagem Toscana, Itália.































terça-feira, 20 de maio de 2014

AS QUATRO ESCOLAS DO HELENISMO


Introdução
 
A morte de Alexandre III em 323 assinala, tradicionalmente, o fim da polis como modelo de unidade política e o começo da difusão da cultura grega no Oriente. Nem mesmo a meteórica expansão de Roma e a conquista das monarquias helenísticas foi capaz de afetar, posteriormente, a predominância cultural do helenismo em todo o Mediterrâneo Oriental.
 
Durante o conturbado Período Helenístico, o homem deixou de ser o componente mais importante de uma comunidade restrita para se tornar um simples cidadão de vastos impérios. A perda da importância política individual fez muitos se dedicarem cada vez mais à busca da felicidade pessoal através da religião, da magia ou da Filosofia.
 
As principais escolas filosóficas do Período Helenístico foram o cinismo, o ceticismo, o epicurismo e o estoicismo. Todas procuravam, basicamente, estabelecer um conjunto de preceitos racionais para dirigir a vida de cada um e, através da ausência do sofrimento, chegar à felicidade e ao bem-estar.
 
Das antigas escolas filosóficas, a Academia envolveu-se durante algum tempo com o ceticismo, e depois voltou ao caminho original, traçado por Platão; o Liceu, fundado por Aristóteles, afastou-se cada vez mais da filosofia e da erudição e se devotou, principalmente, à literatura.
 
O Período helenístico caracterizou-se por um processo de interação entre a cultura grega clássica e a cultura dos povos orientais conquistados. Substituiu-se a vida pública pela vida privada como centro de reflexões filosóficas.
 
A reflexão política foi abandonada pela Filosofia.  Na filosofia Greco-romana, que corresponde à fase militar de Roma, não houve grandes novidades, pois o principais pensadores dedicaram-se basicamente à tarefa de assimilar e desenvolver as contribuições culturais herdadas da Grécia Clássica.
 
As principais correntes filosóficas desse período vão tratar da intimidade, e da vida interior do ser humano. Entre as principais tendências desse período destaca-se o epicurismo, o estoicismo, o pirronismo e o cinismo.
 

EPICURISMO: O PRAZER
O epicurismo, de Epicuro (324-271 a.C.) – propunha a ideia de que o ser humano deve buscar o prazer da vida. No entanto, distinguia, entre os prazeres, aque­les que são duradouros e aqueles que acarretam dores e sofrimentos, pois o prazer estaria vinculado a uma conduta virtuosa. Para Epicuro, o supremo pra­zer seria de natureza intelectual e obtido mediante o domínio das paixões. Os epicuristas procuravam a ataraxia, termo grego que usavam para designar o estado em que não havia dor, de quietude, serenidade, imperturbabilidade da alma. O epicurismo, posteriormente, serviu de base ao hedonismo, filosofia que tam­bém defende a busca do prazer, mas que não diferencia os tipos de prazeres, tal como faz Epicuro. Defendia que o prazer é o princípio e o fim de uma vida feliz.
 
Epicuro defendia dois grandes grupos de prazeres. O primeiro reúne os prazeres mais duradouros, que encantam o espírito, como a boa conversação, a contemplação das artes, a audição da música etc. O segundo inclui os prazeres mais imediatos, muitos dos quais são movidos pela explosão das paixões e que, ao final, podem resultar em dor e sofrimento.
 
Para desfrutar dos prazeres do intelecto é necessário dominar os prazeres exagerados da paixão.
 
 
ESTOICISMO: O DEVER
O estoicismo, de Zenão de Cício (334-262 a.C.) – os representantes des­ta escola, conhecidos como estoicos, defendiam uma atitude de completa austeridade física e moral, baseada na resistência do homem ante os sofrimentos e os males do mundo. Seu ideal de vida, designado pelo termo gre­go apathéia (que costuma ser mal traduzido por "apatia"), era alcançar uma serenidade diante dos acontecimentos fundada na aceitação da "lei universal do cosmos", que rege toda a vida. Fundado pelas ideias de Zenão de Cício, Defendiam a noção de que toda a realidade existente é uma realidade racional.
 
O que chamamos de Deus, nada mais é do que a fonte dos princípios racionais que regem a realidade.
 
Zenão propõe o dever, vinculado à compreensão da ordem cósmica, como o melhor caminho para a felicidade.
 
 
CETICISMO: A SUSPENSÃO DO JUÍZO
O ceticismo (pirronismo), de Pirro de Élis (365-275 a.C.) - segundo suas teorias, nenhum conhecimento é seguro, tudo é incerto. O pirronismo defendia que se deve con­tentar com as aparências das coisas, des­frutar o imediato captado pelos sentidos e viver feliz e em paz, em vez de se lan­çar à busca de uma verdade plena, pois seria impossível ao homem saber se as coisas são efetivamente como aparecem. Assim, o pirronismo é considerado uma forma de ceticismo, que professa a im­possibilidade do conhecimento, da obten­ção da verdade absoluta.
 
Fundado a partir das ideias de Pirro de Élis, foi uma corrente filosófica que defendia a ideia de que tudo é incerto, nenhum conhecimento é seguro, qualquer argumento pode ser contestado.
 
Desse modo, aceitando que das coisas só se podem conhecer as aparências e desfrutando o imediato captado pelos sentidos, as pessoas viveriam felizes e em paz.

 
 
CINISMO: ALÉM DAS CONVENÇÕES
O cinismo - o termo cinismo vem do grego kynos, que significa "cão", e desig­na a corrente dos filósofos que se pro­puseram a viver como os cães da cida­de, sem qualquer propriedade ou con­forto. Levavam ao extremo a filosofia de Sócrates, segundo a qual o homem deve procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais. Por isso Diógenes, o pensador mais destacado dessa escola, é conhecido como o “Sócrates demente”, ou o “Sócrates louco”, pois questionava os valores e as tradições sociais e procurava viver estritamente conforme os princípios que considerava moralmente corretos. Sãos inúmeras as histórias e acontecimentos na vida desse filósofo que o tornaram uma figura instigante da história da filosofia.
 
Cínico, do grego kynicos, significa “como um cão”. Designa assim a corrente dos filósofos que se propuseram viver como os cães da cidade, sem qualquer propriedade e conforto.
 
Levavam ao extremo a tese socrática  de que o ser humano deve procurar conhecer a si mesmo e desprezar todos os bens materiais.
 
FONTES: (COTRIM, G. Fundamentos da filosofia. São Paulo: Saraiva, 2005, pp.105-106) in http://jaueras.blogspot.com.br/2010/01/as-quatro-escolas-do-helenismo.html
 
 
 
 
RESPONDA, NO BLOG, AS QUESTÕES ABAIXO.
 
 
1.      Caracterize, em termos gerais, a filosofia desenvolvida depois do período clássico.
 
2.      Confronte o epicurismo com o estoicismo, destacando semelhanças e diferenças.
 
3.      Por que o pirronismo é considerado uma forma de ceticismo? De que maneira seu ceticismo definia o modo de vida que propunha?
 
4.      Explique a origem da palavra cinismo, destacando sua relação com a corrente filosofia que denomina.

 

quarta-feira, 14 de maio de 2014

A DIALÉTICA DE HEGEL

A dialética para Hegel é o procedimento superior do pensamento é, ao mesmo tempo, repetimo-la, "a marcha e o ritmo das próprias coisas". Vejamos, por exemplo, como o conceito fundamental de ser se enriquece dialeticamente. Como é que o ser, essa noção simultaneamente a mais abstrata e a mais real, a mais vazia e a mais compreensiva (essa noção em que o velho Parmênides se fechava: o ser é, nada mais podemos dizer), transforma-se em outra coisa? É em virtude da contradição que esse conceito envolve. O conceito de ser é o mais geral, mas também o mais pobre. Ser, sem qualquer qualidade ou determinação - é, em última análise, não ser absolutamente nada, é não ser! O ser, puro e simples, equivale ao não-ser (eis a antítese). É fácil ver que essa contradição se resolve no vir-a-ser (posto que vir-a-ser é não mais ser o que se era). Os dois contrários que engendram o devir (síntese), aí se reencontram fundidos, reconciliados.
Vejamos um exemplo muito célebre da dialética hegeliana que será um dos pontos de partida da reflexão de Karl Marx. Trata-se de um episódio dialético tirado da Fenomenologia do Espírito, o do senhor e o escravo. Dois homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem. Aceita arriscar sua vida no combate, mostrando assim que é um homem livre, superior à sua vida. O outro, que não ousa arriscar a vida, é vencido. O vencedor não mata o prisioneiro, ao contrário, conserva-o cuidadosamente como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o escravo, o "servus", aquele que, ao pé da letra, foi conservado.
a) O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio goza os prazeres da vida. O senhor não cultiva seu jardim, não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem o escravo para isso. O senhor não conhece mais os rigores do mundo material, uma vez que interpôs um escravo entre ele e o mundo. O senhor, porque lê o reconhecimento de sua superioridade no olhar submisso de seu escravo, é livre, ao passo que este último se vê despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de submissão absoluta.
b) Entretanto, essa situação vai se transformar dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma contradição interna: o senhor só o é em função da existência do escravo, que condiciona a sua. O senhor só o é porque é reconhecido como tal pela consciência do escravo e também porque vive do trabalho desse escravo. Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu escravo.
c) De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da vida do que o escravo de seu senhor (foi por medo de morrer que se submeteu), vai encontrar uma nova forma de liberdade. Colocado numa situação infeliz em que só conhece provações, aprende a se afastar de todos os eventos exteriores, a libertar-se de tudo o que o oprime, desenvolvendo uma consciência pessoal. Mas, sobretudo, o escravo incessantemente ocupado com o trabalho, aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e recupera uma certa forma de liberdade (o domínio da natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma conversão dialética exemplar, o trabalho servil devolve-lhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si mesmo. Assim, a liberdade estóica se apresenta a Hegel como a reconciliação entre o domínio e a servidão.
Hegel parte, fundamentalmente, da síntese a priori de Kant, em que o espírito é constituído substancialmente como sendo o construtor da realidade e toda a sua atividade é reduzida ao âmbito da experiência, porquanto é da íntima natureza da síntese a priori  não poder, de modo nenhum, transcender a experiência, de sorte que Hegel se achava fatalmente impelido a um monismo imanentista, que devia necessariamente tornar-se panlogista, dialético. Assim, deviam se achar na realidade única da experiência as características divinas do antigo Deus transcendente, destruído por Kant. Hegel devia, portanto, chegar ao panteísmo imanentista, que Schopenhauer, o grande crítico do idealismo racionalista e otimista, declarará nada mais ser que ateísmo imanentista.
No entanto, para poder elevar a realidade da experiência à ordem da realidade absoluta, divina, Hegel se achava obrigado a mostrar a racionalidade absoluta da realidade da experiência, a qual, sendo o mundo da experiência limitado e deficiente, por causa do assim chamado mal metafísico, físico e moral, não podia, por certo, ser concebida mediante o ser (da filosofia aristotélica), idêntico a si mesmo e excluindo o seu oposto, e onde a limitação, a negação, o mal, não podem, de modo nenhum, gerar naturalmente valores positivos de bem verdadeiro. Mas essa racionalidade absoluta da realidade da experiência devia ser concebida mediante o vir-a-ser absoluto (de Heráclito), onde um elemento gera o seu oposto, e a negação e o mal são condições de positividade e de bem.

Apresentava-se, portanto, a necessidade da invenção de uma nova lógica, para poder racionalizar o elemento potencial e negativo da experiência, isto é, tudo que há no mundo de arracional e de irracional. E por isso Hegel inventou a dialética dos opostos, cuja característica fundamental é a negação, em que a positividade se realiza através da negatividade, do ritmo famoso de tese, antítese e síntese. Essa dialética dos opostos resolve e compõe em si mesma o elemento positivo da tese e da antítese. Isto é, todo elemento da realidade, estabelecendo-se a si mesmo absolutamente (tese) e não esgotando o Absoluto de que é um momento, demanda o seu oposto (antítese), que nega e o qual integra, em uma realidade mais rica (síntese), para daqui começar de novo o processo dialético. A nova lógica hegeliana difere da antiga, não somente pela negação do princípio de identidade e de contradição - como eram concebidos na lógica antiga - mas também porquanto a nova lógica é considerada como sendo a própria lei do ser. Quer dizer, coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já não é mais o ser, mas o devir absoluto.

Dispensa-se acrescentar como, a experiência sendo a realidade absoluta, e sendo também vir-a-ser, a história em geral se valoriza na filosofia; igualmente não é preciso salientar como o conceito concreto, isto é, o particular conexo historicamente com o todo, toma o lugar do conceito abstrato, que representa o elemento universal e comum dos particulares. Estamos, logo, perante um panlogismo, não estático, como o de Spinoza, e sim dinâmico, em que - através do idealismo absoluto - o monismo, que Hegel considerava panteísmo, é levado às suas extremas conseqüências metafísicas imanentistas.
Podemos resumir assim:

1.° - A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (princípio de identidade e de contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto;

2.° - A lógica tradicional afirma que o conceito é universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável, realmente, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto, isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo;

3.° - A lógica tradicional distingue substancialmente a filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história, enquanto o ser é vir-a-ser;

4.° - A lógica tradicional distingue-se da ontologia, enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o esgota totalmente - como faz o pensamento de Deus; ao passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia, porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do próprio "logos" divino, que no espírito humano adquire plena consciência de si mesmo.

Visto que a realidade é o vir-a-ser dialético da Idéia, a autoconsciência racional de Deus, Hegel julgou dever deduzir a priori o desenvolvimento lógico da idéia, e demonstrar a necessidade racional da história natural e humana, segundo a conhecida tríade de tese, antítese e síntese, não só nos aspectos gerais, nos momentos essenciais, mas em toda particularidade da história. E, com efeito, a realidade deveria transformar-se rigorosamente na racionalidade em um sistema coerente de pensamento idealista e imanentista.

Não é mister dizer que essa história dialética nada mais é que a história empírica, arbitrariamente potenciada segundo a não menos arbitrária lógica hegeliana, em uma possível assimilação do devir empírico do desenvolvimento lógico - ainda que entendido dialeticamente, dinamicamente. Tal história dialética deveria, enfim, terminar com o advento da filosofia hegeliana, em que a Idéia teria acabado a sua odisséia, adquirindo consciência de si mesma, isto é, da sua divindade, no espírito humano, como absoluto. Mas, desse modo, viria a ser negada a própria essência da filosofia hegeliana, para a qual o ser, isto é, o pensamento, nada mais é que o infinito vir-a-ser dialético.

Referências Bibliográficas:

DURANT, Will. História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo, Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J. Padre Leonel, Noções de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia, Edições Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis. História da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 4.ª edição, 1980.
JAEGER, Werner. Paidéia - A Formação do Homem Grego, Martins Fontes, São Paulo, 3ª edição, 1995.
Coleção Os Pensadores. Georg Wilhelm Friedrich Hegel - Estética: A Idéia e o Ideal - Estética: O Belo Artístico ou o Ideal, Nova Cultural, São Paulo, 1999.

© Texto Produzido Por Rosana Madjarof - 2000 - Respeite os Direitos

terça-feira, 11 de março de 2014

PLATÃO E O CONHECIMENTO INATO


Segundo Platão, conhecer é recordar verdades que já existem em nós - teoria que pode ser atestada sempre que nos deixamos guiar pela voz do inconsciente.



Por Paulo Urban*

"Aprender é descobrir aquilo que você já sabe. Fazer é demonstrar que você o sabe. Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto você."

Essa máxima, extraída do livro Ilusões, de Richard Bach, sintetiza o inatismo de Platão, doutrina filosófica segundo a qual aprendemos devido a um processo natural de descobertas, capaz de desentranhar conhecimentos racionais e ideias verdadeiras que se encontram, a priori, latentes, guardados em nosso mundo interior.
Platão nasceu em 428-7 a.C., na cidade-estado de Atenas, onde viveu a época de seu apogeu político. Por volta dos 40 anos, o mais importante discípulo de Sócrates fundou sua Academia, dirigindo-a até o fim de seus dias, em 348-7 a.C. Um de seus célebres pupilos foi Aristóteles, que aos 18 anos ingressou na Academia, bebendo da fonte platônica durante as últimas duas décadas de vida de seu mestre. A Academia estenderia seu funcionamento por 900 anos, até hoje a mais longa existência registrada na história das instituições educacionais do Ocidente.
Nascido em berço abastado, numa família que detinha importantes relacionamentos políticos, Platão, após cumprir o serviço militar, pôde aventurar-se pela Magna Grécia. Além de conhecer Euclides em Megara e estudar a matemática de Teodoro em Cirene, estendeu viagem ao Egito, inspirado pelos passos esotéricos de Pitágoras. Ao retornar a Atenas, já tendo escolhido o caminho da ascese espiritual, dedicou-se à poesia, ao teatro e à leitura dos textos clássicos. Aproximou-se dos filósofos e, aos 25 anos, conheceu Sócrates. Acercou-se dele intensamente e com profunda admiração, permitindo que em seu espírito se processasse uma revolução completa ao longo dos três anos seguintes, os quais antecederam a condenação de Sócrates à morte por cicuta.
Platão recebeu notável influência dos grandes pensadores de sua época e soube sintetizar magistralmente suas doutrinas num sistema próprio de compreensão do homem e do universo. De Pitágoras herdou, por exemplo, a vocação para a pedagogia, o amor pela matemática e pela música, assim como o caráter transcendente de sua teoria das ideias e os alicerces órficos de sua filosofia, caso da crença na imortalidade da alma, na metempsicose (teoria que aceita a passagem da alma de um corpo para o outro) e na existência do outro mundo.
De Heráclito aceitou a ideia de que tudo é mudança nesta vida, ao menos neste "mundo sensível" em que vivemos, cercados de ilusões e aparências da verdade, onde nada é permanente. De Parmênides assimilou a crença numa realidade perene e atemporal. Platão situou essa realidade em seu "mundo inteligível", distinto deste, compreendendo que, para além das realidades ilusórias, a alma (o ser) é una, imutável e permanente.
De Sócrates absorveu o costume de refletir sobre o homem e seus problemas éticos, e apreendeu uma conduta impecável. Dele ainda recebeu a maiêutica (arte de dar à luz a verdade por meio de seguidas perguntas), instrumento valioso para a tese do inatismo. Tal teoria, de que todo conhecimento é reminiscência, assumiu melhores passagens em dois de seus 29 livros: Fédon e Mênon. Neste último diálogo, Sócrates, personagem central do livro, interpela um jovem escravo sem estudos e se põe a fazer-lhe perguntas de crescente complexidade sobre geometria. Por meio de questões precisas, o filósofo extrai respostas claras do rapaz, que consegue espontaneamente resolver um cálculo de área, razoavelmente difícil para alguém ignorante. Ou seja, conforme Sócrates vai dialogando com o escravo no sentido de fazê-lo raciocinar corretamente, as verdades matemáticas vão surgindo na sua mente. Tanto no Fédon quanto no Mênon, chega-se à conclusão de que o conhecimento da alma provém de existências anteriores.
Na República (Livro X), Platão procura fundamentar a teoria da reminiscência por meio da alegoria de Er, um pastor da Panfília que, morto em batalha, após dez dias é encontrado com seu corpo intacto entre centenas de cadáveres putrefatos. Levado para casa a fim de que se cumprissem os ritos funerários, já estendido sobre a pira de cremação, no décimo segundo dia após sua morte, Er acorda, levanta-se e põe-se a narrar o que viu no além. O pastor havia estado entre os juízes que separavam as almas boas das ruins, dando-lhes as sentenças conforme haviam vivido seus dias encarnados.
Er estivera entre almas de sábios, heróis, antepassados e amigos. Os juízes o haviam escolhido para que, vendo e ouvindo tudo o que ali se passava, pudesse retornar à Terra e contar aos homens o destino que nos reserva o além. Er aprende que as almas renascem indefinidamente para purificar-se de seus erros passados até que não mais precisem reencarnar, quando então passam a residir na eternidade. Compreende ainda que a morte, mero intervalo entre as existências terrenas, é o período em que as almas podem contemplar o conhecimento verdadeiro e ao menos vislumbrar o mundo perfeito das ideias, proposto pela teoria de Platão. Antes de regressarem à nova encarnação, porém, cabe às almas escolherem o que desejam experimentar entre uma infinidade de sortes ou modelos de vida, que lhes são apresentados por Láquesis, uma das três deusas do destino. Há vidas de rei, de guerreiro, de artista, de escravo etc., todas à disposição para que sejam tomadas conforme as necessidades compensatórias do futuro aprendizado.
As almas devem ainda escolher seu próximo sexo e local de nascimento, e se querem retornar feito mineral, vegetal, animal ou ser humano. Em seu caminho de volta, porém, elas atravessam vasta planície desértica, sob calor abrasador, que as força beber das águas de Lethé ("esquecimento" em grego), o rio da despreocupação. Quanto mais bebem, mais esquecem suas vidas anteriores, até que sejam encaminhadas ao local escolhido para o novo nascimento.
Platão se vale dessa metáfora (que até hoje influencia o kardecismo, o rosacrucionismo e várias outras correntes religiosas) para explicar como o conhecimento pode preexistir de modo latente em nossas almas, fadados que estamos a viver esquecidos de nosso caráter divino e das verdades puras contempladas.
Concordamos, porém, com Bertrand Russel (1872-1970), que diz que o argumento platônico de nada vale se aplicado ao conhecimento empírico. O rapaz escravo não saberia "recordar" - nem mesmo com ajuda da indução de Sócrates - quando se deu, por exemplo, a construção das pirâmides, ou o cerco à Tróia. Contra a teoria da reminiscência, considere-se ainda qualquer descoberta no campo científico, como a disseminação de doenças por meio de microorganismos atestada pelas experiências de Pasteur. Um completo ignorante dificilmente chegaria a essas conclusões se levado a pensar no problema pelo método de perguntas e respostas.
Somente o conhecimento que se denomina apriorístico, inato - como as intuições lógicas e matemáticas -, é que pode existir dentro de nós sem qualquer prévia experiência. De fato, o conhecimento a priori é o único que Platão admite como verdadeiro, além das revelações místicas às quais nossas almas estão sempre sujeitas.
Independentemente da crença na reencarnação professada pelo filósofo, podemos indagar: de onde teria vindo o saber do escravo se este não tivesse nascido já dotado dos princípios da racionalidade? O inatismo de Platão aqui se atesta: conhecer é recordar a verdade que já trazemos em nós, inerente ao aparato racional e intuitivo de que somos desde o nascimento dotados. Nesse sentido, aprender é mesmo descobrir o que já sabemos.
Aos defensores do inatismo, como vimos, contrapõem-se os empiristas, que afirmam que a verdade e a razão só podem ser adquiridas por meio da experiência. O empirismo entende a razão como uma "folha em branco", ou uma tábua rasa, sobre a qual vão sendo gravadas as experiências de vida que agregam conteúdo a nosso saber. Freud, por exemplo, enxergava dessa forma nosso mundo inconsciente. A essa visão reducionista da psicanálise contrapôs-se Jung, para quem o inconsciente não é somente dinâmico, mas dotado de autonomia própria, estando ligado à fonte original do saber inconsciente universal. Sendo assim, ele é capaz de nos antecipar verdades que em tempo oportuno se tornarão conscientes, ou de nos levar a passar por experiências significativas, necessárias à nossa evolução pessoal, que Jung chamou de "sincronicidades". Portanto, no que se refere à sua maneira de compreender o psiquismo, poderíamos dizer que a psicologia analítica é de natureza iminentemente platônica, já que valoriza as percepções intuitivas em detrimento do saber estritamente racional.
Cumpre lembrar que a história das descobertas (mesmo as científicas) está repleta de casos assim. O químico Friedrich Kekulé, por exemplo, adormeceu em frente de sua lareira, sonhou com uma serpente que mordia o próprio rabo e despertou com a exata noção de que o anel de benzeno tinha estrutura espacial hexagonal fechada em si mesma, o que lhe resolveu um problema que o atormentava havia anos. Famosa também é a história do físico Isaac Newton, que teria derivado a equação da gravitação universal num insight que lhe ocorreu ao observar a queda de maçãs maduras no pomar de Woolsthorpe, onde ele costumava passar suas tardes orando e meditando. Mozart também contou com humor que os temas de suas peças eram-lhe antecipados em sonho, sempre mais sublimes do que ele conseguia compor depois!
Gênios iluminados à parte, nossa vida cotidiana acha-se igualmente tomada de exemplos de descobertas espontâneas pessoais. Basta conferir nossa história biográfica, ou mesmo perguntar aos amigos sobre isso. Não resta dúvida: sempre que nos deixamos levar pelas vozes do inconsciente, descobrimos coisas novas, encontramos verdades escondidas, percebemos virtudes e potenciais a serem trabalhados. Admitindo primeiramente nossa virtual ignorância, e buscando intuitivamente por nossos caminhos, estamos exercitando a nobre arte que une a filosofia ao misticismo em favor do autoconhecimento. Importa, sobretudo, abrir nossos canais às lições dos verdadeiros mestres que habitam esferas transcendentes de nossa realidade interior. Conhecermo-nos a nós mesmos é, pois, nossa humilde obrigação, só assim descobriremos os segredos dos deuses e dos homens. Ao menos é o que nos quer ensinar a grande máxima, que repercute a nos lembrar que ninguém é melhor por saber muito, senão que aprendemos descobrindo que sabemos tanto quanto os outros - um quase nada diante dos mistérios realmente imponderáveis.

*Paulo Urban Médico-psiquiatra e psicoterapeuta do Encantamento. E-mail:urban@paulourban.com.br


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sócrates e os Sofistas


Sócrates (470-399 a.C.) e os Sofistas
Autoria: Augusto Carvalho
 

a) Quem foi Sócrates? Qual sua opinião sobre os Sofistas? Quais suas ideias fundamentais?

É relativamente pouco o que sabemos sobre Sócrates, o homem. Nascido em 470 a.C., foi executado em 399 a.C., quando Atenas perdeu a Guerra do Peloponeso contra Esparta.
Sócrates ensinou que o sistema filosófico é o valor do conhecimento humano. Antes de Sócrates questionava-se a natureza, depois de Sócrates, questiona-se o homem. O valor do conhecimento humano (Humanismo).
 
CONHEÇA-TE A TI MESMO”, frase escrita no portal do templo de Apolo; cuja frase era a recomendação básica feita por Sócrates a seus discípulos.
Sócrates percebeu que a sabedoria começa pelo reconhecimento da própria ignorância: “SÓ SEI QUE NADA SEI”; é, para Sócrates, o princípio da sabedoria.
O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se ao dos Sofistas, embora não vendesse seus ensinamentos. Com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições afirmadas, os novos problemas que surgiam a cada resposta. Seu objetivo inicial era demolir, nos discípulos, o orgulho, a ignorância e a presunção do saber.
 
Usava dois métodos: IRONIA e MAIÊUTICA.
 
MAIÊUTICA: Dava alternativas, perguntas e respostas, ajudava a buscar a verdade. O nome Maiêutica foi uma homenagem a sua mãe que era parteira. Ele dava luz às ideias.
 
IRONIA: A ironia socrática tinha um caráter purificador na medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências, perguntas e respostas, destruía o falso saber. Os discípulos, libertos do orgulho e da pretensão de que tudo sabiam, podiam iniciar o caminho da reconstrução das próprias ideias. Com isso, Sócrates acreditava num só Deus (Monoteísmo); a época era de Politeísmo. Por vários motivos ele foi perseguido. Foi condenado à morte em 399 a.c. por não aceitar mudar suas ideias (tomou Cicuta, um tipo de bebida que o carrasco deu-lhe para beber).
Para Sócrates o homem deveria conhecer a si mesmo, chegar à virtude através do conhecer a si mesmo. É a sabedoria que nos dá a virtude.

Ao trabalhar com Os Sofistas, Sócrates observa e questiona:

a) Os Sofistas buscam o sucesso e ensinam as pessoas como consegui-lo; Sócrates busca a verdade e incita seus discípulos a descobri-la.
b) Os Sofistas é necessário fazer carreiras, Sócrates quer chegar à verdade, desapegando dos prazeres e dos bens materiais.
c) Os Sofistas gabam-se de saberem tudo e fazer tudo; Sócrates tem a convicção de que ninguém pode ser mestre dos outros.
d) Para os Sofistas, aprender é coisa passiva e facílima, afirmam isso e tudo por um preço módico.
Sócrates defendia que a opinião é individual, mas a sabedoria é universal. A questão da felicidade e honestidade está na prática do agir. As riquezas não interessam aos homens.


A doutrina socrática identifica o sábio e o homem virtuoso. Derivam daí diversas consequências para a educação, como: o conhecimento tem por fim tornar possível a vida moral; o processo para adquirir o saber é o diálogo; nenhum conhecimento pode ser dogmaticamente, mas como condição para desenvolver a capacidade de pensar; toda a educação é essencialmente ativa, e por ser autoeducação leva ao conhecimento de si mesmo; a análise radical do conteúdo das discussões, retirado do cotidiano, leva ao questionamento do modo de vida de cada um e, em última instância, da própria cidade.

b) Quem foram os sofistas?

Etimologicamente, o termo sofista significa sábio, entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de impostor, devido, sobretudo, às críticas de Platão.
Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e sagacidade mental, ou seja, tinham fácil oratória e eram astuciosos. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso dos negócios públicos e privados.
As lições sofísticas tinham como objetivo o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade de discursos primorosos, porém, vazios de conteúdo. Eles transmitiam todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.
O momento histórico vivido pela civilização grega favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembleias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam a necessidade de aprender a arte de argumentar em público para, manipulando as assembleias, fazerem prevalecer seus interesses individuais e de classe.
Entre os sofistas, destacamos Protágoras e Górgias, que pareciam mais preocupados com a distinção entre natureza e convenção, de uma forma geral. Por essa razão, tinham como um de seus principais objetivos depreciar o estudo da natureza e, desta maneira, toda a linha filosófica existente até essa época.
Protágoras alegou que o homem é a medida de todas as coisas, tanto das coisas que são o que são como das coisas que não são, o que não são. Isto significa que tudo é como parece ao homem – não apenas aos homens em geral, mas a cada indivíduo em particular. Esta tese, leva a um relativismo total, sem possibilidade alguma de verdade absoluta.
Górgias foi ainda, mais radicalmente oposto à natureza e a seu estudo. Escreveu um livro no qual formulou uma tripla alegação: 1) nada há; 2) mesmo que houvesse alguma coisa, não poderíamos conhecê-la; e 3) mesmo que pudéssemos conhecê-la não poderíamos comunicá-la aos demais. Poderíamos descrever isto como um argumento mediante “retirada estratégica”: caso a posição mais radical não seja julgada convincente, volta-se para outra, menos radical. Mas até mesmo esta última elimina a possibilidade de estudo da natureza.
Górgias ensinava retórica, enquanto que Pródico, especializava-se em linguagem e gramática em geral, ao passo que Hípias ensinava o treinamento da memória. Todas estas aquisições eram úteis em uma sociedade que tanto dependia da capacidade de influenciar a opinião pública na assembleia.
De qualquer modo, na opinião de Sócrates, eles fracassaram em ensinar excelência moral ou virtude. A alegação deles de ensinar arete (excelência) não apenas, na opinião de Sócrates, induzia em erro, mas corrompia também, porque sugeria que podiam produzir excelência moral, ao passo que nada faziam neste particular.

 

Diferenças entre Sócrates e os sofistas:

- O sofista é um professor ambulante. Sócrates é alguém ligado aos destinos de sua cidade;
- O sofista cobra para ensinar. Sócrates vive sua vida e essa confunde-se com a vida filosófica: “ Filosofar não é profissão, é atividade do homem livre”
- O sofista “sabe tudo” e transmite um saber pronto, sem crítica (que Platão identifica com uma mercadoria, que o sofista exibe e vende). Sócrates diz nada saber e, colocando-se no nível de seu interlocutor, dirige uma aventura dialética em busca da verdade, que está no interior de cada um.
- O sofista faz retórica (discurso de forma primorosa, porém vazio de conteúdo). Sócrates faz dialética (bons argumentos). Na retórica o ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, persuadem sem transmitir conhecimento algum. Na dialética, que opera por perguntas e respostas, a pesquisa procede passo a passo e não é possível ir adiante sem deixar esclarecido o que ficou para trás.


- O sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa verbal. Sócrates refuta para purificar a alma de sua ignorância.
Referências bibliográficas:
• ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna, 1992;
• CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 1995;
• COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia – Ser, Saber e Fazer. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997;
• Enciclopédia Abril/2004, Multimídia.


FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS

Tales de Mileto (624 - 545 a.C.)
 
 
De seus pensamentos originais conhecemos quase nada, o que sabemos dele é através de outros filósofos. Aristóteles o chamou de fundador da filosofia. Tales pensava que diversos deuses estavam nas coisas do mundo, dessa forma a natureza passa também a ser considerada como algo divino. O espírito do mundo é Deus e as coisas têm alma que penetra nelas através da umidade. É também através da umidade que o poder de Deus entra nas coisas e as movimenta. O primeiro pensador de Mileto observou que o calor precisa de água, que a pessoa quando morre fica seca, que as coisas vivas na natureza são úmidas, que os germens são úmidos, que os alimentos tem seiva e concluiu que a água era o princípio e a origem de todas as coisas. Ele dizia que as terras são sustentadas pela água e se deslocam como um barco. Quando dizemos que ela treme, como nos terremotos, na verdade ela está balançando devido ao movimento da água. Ele observou que a água muda constantemente e dizia que para que ela pudesse suportar todas as transformações e continuar inalterada ela deveria ser um elemento eterno. Para ele todas as coisas estão cheias de deuses. Ele chega a essa afirmação por perceber que as coisas no mundo estão em constante movimento. Se as coisas se movem é porque estão vivas. E se estão vivas é porque Deus está nelas. Não podemos esquecer que quando Tales diz que todas as coisas têm deuses e alma, ele não estava se referindo ao sentido religioso que damos hoje às palavras Deus e Alma. Mesmo que muitas das suas conclusões nos pareçam estranhas hoje, dizemos que a Filosofia iniciou com Tales porque com ele acontece a primeira separação entre o pensamento racional e o que as pessoas percebem através dos cinco sentidos. Ele utiliza a razão para buscar explicações para as coisas do mundo. Tales previu um eclipse que ocorreu em 28 de maio de 585 a.C. O seu interesse pela astronomia o levou a descobrir a mudança do sol de um trópico ao outro. Tales descobriu também que algumas estrelas não eram fixas em relação às outras como pareciam e as chamou de planetas. Ele fixou ainda em trinta o número de dias durante o mês e constatou que o ano era composto de 365 dias e um quarto. Estudou ainda a eletricidade estática. Atribui-se a Tales também uma teoria para explicar as constantes inundações do rio Nilo e a solução de diversos problemas geométricos. Ele viajou por diversas regiões e no Egito teria calculado a altura de uma pirâmide. O cálculo foi feito a partir da sua própria altura e o comprimento de sua sombra e através desta proporção calculou a altura da pirâmide através da sombra desta, pois a proporção é a mesma. Esse cálculo de proporções é conhecido até hoje na geometria como Teorema de Tales. Se alguém perguntasse a Tales se antes vinha a noite ou o dia ele respondia que antes de tudo vinha a noite, depois de um dia. Dizia que a coisa mais simples é dar conselhos a outras pessoas; que a coisa mais agradável é ter sucesso e que a mais desagradável é um tirano poder envelhecer; que o divino é o que não tem nem início nem fim; que Deus vê os injustos mesmo quando eles ainda estão pensando em fazer a injustiça; que o falso juramento não é pior que o adultério; que se suporta mais facilmente a má sorte se percebermos que o inimigo está pior que nós; que se vive virtuosamente não fazendo ao outro o que não queremos para nós; que é feliz quem é saudável do corpo, rico de alma e bem educado. Dizia ainda que precisamos recordar dos amigos presentes e ausentes; cuidar do nosso comportamento mais que da nossa aparência; não enriquecer de modo injusto e não cair em descrédito com aqueles com quem fizermos um trato. Tales sustentava que a morte não é diferente da vida. E se alguém lhe perguntava por que, então, ele não morria ele dizia que era porque não tinha diferença entre vida e morte. Platão no livro Teeteto conta uma anedota que dá testemunho dos interesses de Tales pela astronomia e esboça o que popularmente se pensa dos filósofos. Escreve Platão? Ele observava os astros e tendo o olhar dirigido ao céu, cai em um poço. Conta-se que uma espirituosa e inteligente serva o havia visto dizendo que se preocupava mais em conhecer o que acontece no céu sem preocupar-se com o que acontecia na frente dos seus pés. A mesma ironia é reservada a quem passa o tempo filosofando. Tales foi contemporâneo de Anaximandro e professor de Anaxímenes os outros dois primeiros filósofos da história da cultura ocidental.
 
 
Anaximandro de Mileto  (610 - 547 a.C.)
 
Quase nada conhecemos da sua vida mas sabemos que foi discípulo, seguidor e sucessor de Tales de Mileto. Anaximandro pensava que nosso mundo é somente um entre diversos outros mundos que irão se desenvolver, evoluir e se desintegrar em um processo infinito. Nosso cosmos, um entre os infinitos que existiram e os infinitos que virão, iniciou-se com os contrários principais que são o frio e o calor. Uma ideia muito parecida de como alguns físicos modernos concebem a teoria do Big-Bang. Anaximandro estudou e escreveu sobre geografia, astronomia, matemática e política, mas um dos seus principais escritos intitulado Sobre a Natureza não chegou até nós. Existem somente relatos dele. Esta obra é o primeiro escrito filosófico do ocidente. Anaximandro é considerado o fundador da astronomia na Grécia, pois mediu a distância entre as estrelas e o tamanho das mesmas. Ao que parece ele iniciou o uso do relógio solar na Grécia e desenhou um mapa do mundo conhecido na época. Para ele a água não era o princípio de todas as coisas como defendia Tales, assim como nenhum dos quatro elementos fundamentais: terra, fogo, ar e água. Mas tudo começava com o que ele chama de Ápeiron, que é o infinito na qualidade e na quantidade. O Ápeiron não surgiu de nada mas existe e não tem fim. E justamente por ser infinito em extensão e profundidade pode gerar todas as coisas. Muitos identificam esse infinito com o divino pois é imortal e não pode ser destruído. Aqui a imortalidade não é somente algo que não tem fim mas também algo que não tem começo. Neste ponto Anaximandro destrói as bases das crenças nos deuses gregos. Estes não tinham fim, mas tinham começo, eles nascem em um determinado tempo. Anaximandro no entanto não acreditava em nenhum Deus. Para ele as sequências de se criar desenvolver e destruir eram fenômenos naturais que aconteciam quando a matéria abandonava e se separava do Ápeiron. O Ápeiron era a realidade inicial e final de todas as coisas e por consequência continha em si toda a natureza divina. Mas ele vai além, ele se questiona também de como e porque as coisas se formam do Ápeiron. Para ele es coisas se constituem através de uma eterna luta entre contrários, onde algo não pode existir enquanto existe também o seu contrário. O mediador desta eterna luta é o tempo, que permite que ora exista um e ora exista o seu contrário. Esses contrários podem ser observados na natureza: calor, frio; úmido, seco; claro, escuro, etc. E é o tempo que vai colocar limites para a existência destes contrários. Anaximandro acreditava que a terra tinha a forma cilíndrica e era circundada por diversas rodas cósmicas que eram imensas e de fogo. A terra ficava suspensa sem que nada a sustentasse o que a conservava desta forma era a igual distância entre todas as partes. Existe um equilíbrio entre as diversas forças que atuam sobre a terra. Para ele o sol é que fez que do líquido do lodo marinho nascessem os primeiros seres vivos. Esses seres marinhos aos poucos foram se desenvolvendo em seres mais complexos. O homem teria se formado inicialmente dentro de alguns peixes. Ali ele se desenvolveu e foi expulso quando cresceu de tamanho o suficiente para manter-se a si mesmo.

Pitágoras de Samos (570 - 496 a.C.)
 
Pitágoras era de Samos, uma ilha do mar Egeu na costa da Ásia Menor, na época pertencente à Grécia. Pitágoras mudou-se para Crotona, na atual Itália e ali fundou uma escola filosófica que muito se assemelhava a um culto religioso ou seita fechada somente para iniciados. A biografia deste filósofo é envolta por lendas e relatos de outros escritores, pois tudo o que dele sabemos deve-se ao que foi transmitido oralmente não tendo deixado nada escrito. Pouco se sabe de Pitágoras e sua escola e isso se deve também ao fato de que ela tinha muitas regras sigilosas que protegiam os seus segredos. Os iniciados na Escola Pitagórica cumpriam regras de silêncio. O filósofo e matemático Pitágoras, além de fundador e líder, era visto como profeta. A escola praticava rituais de purificação através do estudo de Geometria, Aritmética, Música e Astronomia. Acreditavam na metempsicose, ou seja, a transmigração da alma de um corpo para o outro após a morte. Acreditavam, portanto na reencarnação e na imortalidade da alma. Havia regras de lealdade entre os membros da escola e os bens materiais eram distribuídos comunitariamente. Eles viviam de modo austero e obedientes às regras da escola. Eram proibidos de comer carne e beber vinho. A Escola Pitagórica santificava a vida. Eles também se interessavam por diversas questões filosóficas e tinham profundo interesse intelectual sobre diversas questões. Dentre essas questões destaca-se a matemática a aritmética a geometria e a música. Eles criaram relação da matemática com assuntos abstratos como a justiça, desenvolvendo assim um misticismo em torno dos números. Os números constituíam a essência de todas as coisas. O mundo era governado pelas mesmas estruturas matemáticas que governam os números pois eles simbolizavam a harmonia. Essa harmonia ou ordem eles perceberam analisando os astros e a natureza. Para eles o cosmos é organizado através de uma ordem matemática e a prova disso são os movimentos perfeitos das estrelas, as mudanças de estações e a alternância entre o dia e a noite. Assim como o dia e a noite, existem diversos opostos no mundo, o que concilia a oposição entre eles é o princípio da harmonia e o princípio da harmonia é regido pelos números. O mundo foi formado no centro do universo, lá existe um fogo central a quem eles chamam de mãe dos deuses e é neste fogo central que são formados todos os corpos celestes. Em torno do fogo central movem-se, do oeste para o leste, dez corpos celestes. Pitágoras foi quem criou a palavra "Filósofo" e "Matemática". A harmonia matemática pode ser obtida também na música. Pitágoras descobriu que se dividirmos uma corda em determinadas proporções vamos obter vibrações proporcionais que vão formar a harmonia das notas musicais. Se dividirmos essas notas em determinadas frações e a combinarmos com as notas simples, vamos obter sons harmoniosos. Já frações diferentes produzem sons não harmônicos. Como todos os corpos que se movem velozmente produzem som, isso acontece também com os corpos celestes. O movimento dos astros produz o som correspondente a uma oitava. Este som não é percebido pelas pessoas pois nós o ouvimos desde que nascemos e nossos ouvidos não são próprios para percebê-los. Em seus estudos eles concluíram também que a terra é redonda e que gira em seu eixo. Outra grande descoberta geométrica dos pitagóricos é a relação entre os lados do triângulo retângulo. É o que conhecemos hoje por Teorema de Pitágoras: No triângulo retângulo, a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa. A metafísica de Pitágoras também tinha por base a matemática. Como os números formam todas as coisas, inclusive a alma, esta se libertaria através do intelecto. O intelecto da pessoa para libertar a alma tem que descobrir a estrutura numérica das coisas pois nesta estrutura está a harmonia. Os números não são os símbolos, mas o que eles representam. Para ele o número 10 era místico pois continha em si os quatro elementos que tudo formam, a terra o fogo a água e o ar. Cada um desses elementos é representado por um número e a sua soma 1+2+3+4 forma o 10 que é a base do nosso sistema numérico decimal. O número 1 simboliza a razão, 2 a opinião, 4 a justiça e 5 o casamento. 1 significa também o ponto, 2 a linha, 3 a superfície e 4 o volume. Outra descoberta dos pitagóricos são os números perfeitos que são os números cuja soma de seus divisores, exceto ele mesmo, resulta no próprio número. Ex: o 6 é dividido por 1,2 e 3, e a soma dos três divisores é 6. O 28 é dividido por 1,2,4,7 e 14 e a soma dos divisores é 28. Eles descobriram também que certas grandezas não podem ser representadas por um número inteiro nem por uma fração de números inteiros. Essas grandezas eles denominaram inexprimível. Isso gerou uma crise entre eles que fundamentavam tudo nos números e na matemática. Fizeram juramento de nunca revelar esse segredo a ninguém mas a notícia espalhou-se e os números irracionais foram revelados ao mundo. Pitágoras foi expulso de Crotona e passou a morar em Metaponto onde morreu provavelmente em 496 a.C. Além de não deixar nenhum registro do seu trabalho, sua escola em Crotona foi destruída por rivais políticos e a maioria dos membros foi morta. Os sobreviventes dispersaram-se pela Grécia e continuaram a divulgar a filosofia da religião dos números.



Heráclito de Éfeso (540 - 470 a.C.)
 
Heráclito era de Éfeso, na atual Turquia. Ele pertenceu à nobreza pois sua família era descendente do fundador da cidade. Pode ser que por esse motivo ele desprezava o povo simples e nunca interferiu na política. Desprezou também os antigos poetas, os filósofos de sua época e a religião. Era contemporâneo de Parmênides. É conhecido pelos seus escritos não muito claros, especialmente em sua obra Acerca da Natureza onde aparecem diversas sentenças breves em forma de prosa. Ele observa o constante devir das coisas, o mundo está em um perpétuo fluxo. O mundo inicia com uma substância, essa substância explica o devir constante através de si próprio. Para ele essa substância é o fogo, que não é algo corpóreo, mas ativo, com inteligência e foi criado. Qualquer mudança que ocorre no mundo se dá através do fogo. O que está mudando ou está indo ao fogo ou está voltando. Esse fluxo eterno é um processo dialético. Para ele a dialética é inicialmente o raciocinar de uma direção à outra. Ela é própria do objeto a que se observa, mas está também no sujeito que observa. Heráclito tenta com isso fundar e buscar a dialética como começo. Heráclito consegue com o devir trazer um grande avanço para a filosofia. Com o devir a filosofia deixa de ser estática e passa a contemplar também o movimento. O movimento para o filósofo de Éfeso é o próprio princípio. Para Heráclito o Ser é o único. É nele que tudo começa e após ele temos o devir. Desta forma ele é o primeiro filósofo a utilizar a especulação para fazer filosofia. Para fazer especulações filosóficas ele utiliza a pesquisa e através da pesquisa busca alcançar clareza para os pressupostos da filosofia. A própria natureza da filosofia impõe que ela seja feita através da pesquisa e a especulação é necessária porque essa natureza gosta de se esconder. A natureza não entrega seus fundamentos de forma fácil. Alcançar seus conhecimentos é uma busca difícil para os filósofos e impossível para a maioria dos homens. Os filósofos vão além da esperteza demonstrada por alguns indivíduos que aparentam saber muitas coisas mas não alcançam a verdadeira inteligência. A verdadeira inteligência dos filósofos vai se dedicar a estudar os diversos objetos mas buscando sempre colocá-los em uma unidade. Além do mundo o homem deve examinar a si próprio. Na pesquisa o filósofo pode encontrar diversas respostas diretas e claras a respeito do mundo. Mas ao pesquisar a si próprio o homem vai encontrar uma profundidade infinita de conhecimentos a serem descobertos. Quanto mais nos aprofundamos em nós mesmos mais percebemos que somos mais profundos. Essa descoberta de nós mesmos jamais termina. A razão última do que sou vai sempre estar fora do meu alcance, quanto mais conhecimento tenho de mim mesmo mais percebo que tenho outros conhecimentos a conhecer sobre mim mesmo. Esse processo cada vez mais profundo e cada vez mais íntimo de conhecer a mim mesmo não tem fim. Outro rumo que as pesquisas filosóficas devem tomar, além do mundo e de si mesmo, é também sobre a nossa relação com os outros. Buscar a essência da nossa relação com os outros é mais um dos objetivo da filosofia pois estamos ligados aos outros através de uma comunidade natural. O filósofo deve buscar a razão, a essência da natureza que nos liga a nós mesmos, ao mundo e aos outros. Esta razão da natureza é a lei que tudo regula, regula o homem, regula a relação entre os homens e regula a natureza externa. Esta lei é o ser do mundo e este ser é que vai se revelar na pesquisa filosófica. Ter essa atitude filosófica é para Heráclito uma opção constante que os homens tem que fazer. É semelhante à opção de estar acordado ou dormindo, entre fechar-se em si em seu pensamento e abrir-se à comunicação consigo mesmo, com os outros e com o mundo objetivo. Quem está dormindo se isola como indivíduo. Quem está acordado vai pesquisar além das aparências e pode alcançar o mais profundo da própria consciência, da relação com os outros e a essência da lei única de todas as substâncias que coordena o mundo. Esta opção entre estar dormindo ou acordado para o mundo é a opção que pode levar o homem à esperteza ou à sabedoria, ela determina também qual será o caráter do homem, que é o que vai definir o seu destino. A pesquisa para Heráclito deve clarear e aprofundar o significado e também o seu contrário. O que fundamenta e cria tudo não é uma unidade totalizante mas nela coexistem e são necessários os contrários. Para entender o fundamento de tudo é necessário juntar o completo e o incompleto. É a união dos opostos que vai gerar a unidade da mesma forma que da unidade vão ser gerados os opostos. A diferença entre os opostos constitui um significado essencial e racional da própria diferença. Com essas teorias ele funda também a dialética. Heráclito não percebe a unidade como harmonia, como sendo a síntese dos contrários, um ponto onde as divergências das oposições se anulam.Éa unidade que permite a existência dos contrários. A diferença é uma unidade porque é uma relação e a relação só é possível entre contrários. Se as diferenças forem anuladas, anula-se também a unidade. Deus também é identificado com essa relação entre os contrários, entre os opostos, que apesar de mudarem constantemente continuam existindo e tem a capacidade de conter em si a unidade.
 
 
 
Parmênides de Eléia (530 - 460 a.C.)
 
Parmênides é um filósofo que expôs seus pensamentos através da poesia em estilo homérico, mas nem por isso deixa de usar rigorosos argumentos dedutivos em suas colocações. Parmênides é o fundador da escola de Eléia e despertou grande admiração de Platão. Dos seus poemas restaram-nos 154 versos e eles dividem-se em três partes. A primeira é uma introdução onde ele coloca como chegou às suas revelações. O filósofo conta a sua viagem imaginária pela morada da deusa da justiça que o conduzirá ao coração da verdade. A deusa mostra a Parmênides o caminho da opinião que conduz à aparência e ao engano e o caminho da verdade que conduz à sabedoria do ser. Cada um desses caminhos será tratado nas duas partes seguintes. Na segunda parte ele argumenta que o que é, é diferente do que geralmente os homens supõem que seja. Nessa parte, intitulada Caminho ou Via da Verdade (alétheia), ele coloca o que a razão nos diz e ele faz isso através da metafísica dedutiva. Começa por premissas que ele acredita serem verdadeiras e dedutivamente ele chega a conclusões que também devem ser verdadeiras. Seus argumentos lógicos reconstruídos podem ser expressos da seguinte forma:
1 - Ou algo existe ou algo não existe.
2 - Se é possível pensar em algo, esse algo pode existir.
3 - Nada não pode existir.
4 - Se podemos pensar em algo esse algo não é nada.
5 - Se podemos pensar em algo esse algo tem quem ser alguma coisa.
6 - Se podemos pensar em algo esse algo tem que existir.
Na sequencia Parmênides expõe que somente nos resta dizer que esse algo é, pensar ou dizer que esse algo não é, é impossível. Esse algo que é tem, portanto obrigatoriamente que ser incriado e imperecível. Na terceira parte, intitulada Caminho ou Via da Opinião ou Erro (doxa), sobre a qual não podemos ter nenhuma certeza, ele faz uma descrição de como ele vê o mundo. Para ele essa sua descrição é falsa e enganosa pois é simplesmente o resultado de uma ordenação de palavras, mas essa ordenação é a melhor coisa que os homens podem fazer, sendo portanto a melhor descrição apresentada. Aqui ele expõe as crenças das pessoas simples. São conjuntos de teorias físicas como o dualismo entre o limitado e o ilimitado, que ele relaciona com a luz e as trevas, fazendo da realidade física uma mistura e uma luta entre esses dois elementos. É através dessa divisão que ele ordena as qualidades. Na comparação entre a luz e a escuridão, a escuridão é a negação da luz. Diferenciou as qualidades da natureza em positivas e negativas tomando por base outros opostos como vida e morte, fogo e terra, masculino e feminino, quente e frio, ativo e passivo, leve e pesado. Assim para ele nosso mundo se divide em duas esferas, as de qualidade positiva (luz, vida, fogo, masculino, quente, ativo, leve) e as de qualidade negativa (escuridão, morte, terra, feminino, frio, passivo, pesado). As qualidades negativas são uma negação das qualidades positivas e Parmênides utiliza os termos "não ser" para o negativo e "ser" para o positivo. Parmênides via as mudanças físicas que ocorrem no mundo como uma mistura onde participam o ser e o não-ser, resultando num vir-a-ser. A mistura é feita pelo desejo e quando o desejo é satisfeito o ser e o não-ser novamente se separam. O filósofo conclui assim que a mudança é uma ilusão. Somente existem o ser e o não-ser, o vir-a-ser é portanto uma ilusão dos nossos sentidos. A filosofia de Parmênides se apresenta como um contraste entre a verdade e a aparência. A aparência é percebida pelos sentidos que nos mostram o ser e o não ser e nos levam a diversos erros. Já a verdade somente pode ser buscada pela razão, que para Parmênides demonstra que não podemos pensar o não ser, pois não podemos pensar sem que esse pensar seja sobre algo. Pensar sobre nada é não pensar da mesma forma que dizer nada é não dizer. Somente podemos pensar e expressar o que pensamos através de um objeto e esse objeto já é algo, já é um ser. Ele conclui que o ser é e não pode não ser e através dessa ideia ele expressa sua principal tese filosófica que vai dirigir toda sua investigação racional. Ele cria assim os principais fundamentos da ontologia que é vista como metafísica pois o ser não é somente o ser da natureza, mas também o ser do homem e das suas ações, e mais ainda, é o ser de qualquer coisa que possa ser pensada.

Anaxágoras (500 - 428 a.C.)
 
Anaxágoras concordava com a ideia de que o não ser não pode existir e que a substância do ser é imutável. Para ele o nascer e o morrer não são acontecimentos reais. Nada nasce ou morre, o que acontece é que as coisas que existem se decompõem e se compõem novamente. As coisas que morrem estão se decompondo e as coisas que nascem estão se compondo, se construindo.  Para a filosofia de Anaxágoras as coisas que existem vão além dos quatro elementos colocados por Empédocles. As quatro raízes que formam as outras coisas, terra, ar, água e fogo não conseguem explicar as diversas qualidades através das quais os fenômenos se manifestam. Anaxágoras defende a ideia de que existem inúmeras sementes das quais vem todas as coisas. O número de sementes que fundamentam e criam as coisas é do mesmo número das coisas e elas são inumeráveis como inumeráveis são as manifestações dos fenômenos no mundo. Essas sementes não são criadas - são eternas - e são imutáveis, elas são de todas as formas, de todos os gostos e de todos os tipos. Nenhuma dessas sementes de qualidades se transforma em outras sementes. As sementes são também infinitas na quantidade. Elas não podem ser limitadas em sua grandeza ou na sua pequenez. Elas podem ser divididas ao infinito sem nunca deixar de ser pois o não ser não existe. Assim podemos dividir qualquer semente, qualquer substância ao infinito sem que ela perca a sua qualidade. As partes divididas das sementes terão sempre a mesma qualidade que tinham antes de ser divididas. No começo todas as sementes estavam juntas e não eram distintas uma das outras. O que separou as sementes foi a Inteligência que através de um movimento ordenou o caos existente entre as substâncias. Dessa forma todas as coisas são uma mistura ordenada das sementes e em todas as coisas existem todas as sementes mesmo que em pequenas quantidades. O que vai definir que uma coisa seja o que é vai ser a predominância de determinada semente ou de outra. Em todas as coisas existem sementes de todas as outras coisas. No grão de trigo existe a semente do cabelo, da carne e do osso, caso contrário como da semente do grão de trigo poderia surgir o cabelo, a carne e o osso? Tudo sempre esteve e sempre vai estar no ser. A Inteligência (ou Nous que também pode ser traduzido por mente, pensamento ou espírito) que dividiu as sementes é divina, ela é ilimitada, independente e não está misturada a nada. Essa Inteligência divina é sutil, pura, tem pleno conhecimento de tudo e tem uma força imensa. A Inteligência domina as coisas que tem vida. Ela deu o impulso inicial na rotação que distribuiu ordenadamente todas as outras coisas. Nada se forma ou se divide se não for através da Inteligência. Anaxágoras estudou também o problema do conhecimento humano e desenvolveu sobre o conhecimento uma ideia original. Ele divide o conhecimento em três estágios: 1 - a experiência e a sensação; 2 - a memória e 3 - a técnica. A experiência é o tópico central para o conhecimento humano, sem ela nenhum conhecimento seria possível. A experiência é a nossa relação com o mundo e implica na nossa sensibilidade para sentirmos as modificações dos objetos externos. O que nós vivenciarmos através das sensações vai ser depositado na nossa memória que é a nossa capacidade de conservar as experiências e os conhecimentos adquiridos. O acúmulo dos conhecimentos em nossa memória vai gerar a sabedoria e a sabedoria vai gerar a técnica que é a nossa capacidade de utilizar os conhecimentos para construir objetos e modificar a natureza.
 
 
Fonte: MARCONATO, Arildo Luiz . Disponível em http://www.sofilosofia.com.br.