"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém" Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios

"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém [...]". (Carta do Apóstolo Paulo aos cristãos. Coríntios 6:12) Tudo posso, tudo quero, mas eu devo? Quero, mas não posso. Até posso, se burlar a regra; mas eu devo? Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, ética é o conjunto de valores e princípios que [todos] usamos para definir as três grandes questões da vida, que são: QUERO, DEVO, POSSO. Tem coisas que eu quero, mas não posso. Tem coisas que eu posso, mas não devo. Tem coisas que eu devo, mas não quero. Cortella complementa "Quando temos paz de espírito? Temos paz de espírito quando aquilo que queremos é o que podemos e é o que devemos." (Cortella, 2009). Imagem Toscana, Itália.































sábado, 31 de março de 2012

João José Negrão


Por Juliana Sandres e Guilherme Souza

Em referência ao conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, que culminaram no Golpe Militar no dia 1 de abril de 64, o entrevistado desta semana é o jornalista e doutor em Ciências Sociais João José Negrão.
Negrão tem 55 anos, é professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp) e especializado em jornalismo político e jornalismo econômico. Nesta entrevista ele conta um pouco de como era o Brasil antes do Golpe de 64, quais os fatores que acarretaram a tomada do poder pelos militares e analisa como seria o Brasil se o país não tivesse passado por 21 anos de ditaduta.



Giro Regional: Como foi o processo que culminou no Golpe de 64?
Negrão: O Golpe, se a gente olhar do ponto de vista histórico, ele é o resultado de algumas tentativas que setores mais conservadores da direita brasileira já vinham tentando fazer desde 1954/1955.
O Golpe de 64 é o coroamento de um processo que começou em 54, quando essas mesmas forças reacionárias levaram ao suicídio do Getúlio Vargas. Naquele momento, como o suicídio do Getúlio causou uma comoção popular muito marcante, os golpistas recuaram. Recuaram mas continuaram se articulando, continuaram tentando um golpe que veio a se configurar 10 anos depois, em 64.


Giro Regional: Qual foi o objetivo do Golpe de 64 e quanto tempo durou o regime militar?
Negrão: A gente pode dizer que desde um pouco antes de 64 as forças populares vinham aumentando a sua força. É uma loucura imaginar que a gente tinha um governo socialista, que o governo de Jango (João Goulart) era um governo socialista.  Não era, mas era um governo onde essas forças populares, o movimento sindical, os diferentes movimentos sociais vinham ganhando mais peso. É justamente contra esse avanço dos setores populares, contra o avanço dos setores democráticos que se dá o Golpe.
O Golpe seguiu os interesses dos latifundiários, que eram contra avanços e reformas no campo, de um setor da burguesia brasileira que era contra os avanços sociais e de setores militares que de certa maneira eram a mão armada desses setores mais reacionários. Então na verdade foi um golpe que acabou com a democracia no país, atrasou o avanço do país e que durou 21 anos. Ele começa em 1964 e embora ele comece a dar sinais de crise um pouco antes, ele vai terminar e 1985. Não vamos esquecer, o Brasil só voltou a eleger um presidente em 1989.


Giro Regional: Quais foram as principais consequências econômicas e culturais que o Brasil sofreu com a tomada do poder pelos militares?
Negrão: Do ponto de vista econômico talvez o mais complicado foi que a política econômica da ditadura se baseou em algo chamado de arrocho salarial. Ou seja, você teve crescimento da economia, mas você teve um aumento brutal da pobreza, porque os salários eram comprimidos, eram arrochados, eram deliberadamente reduzidos. Então o Brasil crescia, mas a população continuava numa pobreza intensa. Era um crescimento que só fazia ampliar a concentração de renda.
Do ponto de vista cultural a ditadura foi uma tragédia, foi um atraso, com a proibição de filmes, livros, peças de teatro, novelas, foi um atraso generalizado. Todas as manifestações culturais, nas suas mais diversas possibilidades, sofreram com a censura. A própria imprensa sofreu. É importante frisar que de maneira geral, em sua mais ampla maioria, as indústrias de mídias brasileiras foram a favor do golpe, raríssimos foram os grandes veículos que foram contra. De maneira geral, a grande mídia brasileira apoiou, bancou e articulou o golpe.


Giro Regional: Por que as grandes mídias apoiaram os militares se elas também sofreriam dos efeitos da censura? Depois de sentirem na pele, elas passaram a lutar contra a ditadura?
Negrão: As mídias sofreram depois com a censura, mas a questão da mídia brasileira, desse apoio que deram aos golpistas, não se dave simplesmente por conta da censura, mas por conta de interesses econômicos. Eles apoiaram, mas chegou num momento em que ela própria acaba sofrendo algumas dessas consequências, que é a presença da censura prévia. A gente pode dizer que quem mais lutou contra a censura foram os jornalistas, não os jornais.
Hoje você pega todos os grandes veículos e todos eles se arvoram em paladinos pela luta da liberdade de imprensa, da luta contra o autoritarismo, isso é meia verdade. Aqueles que tiverem dúvida disso, é fácil achar inclusive na internet, procurem os editoriais do dia 1 de abril de 1964 e vejam como eles trataram e se manifestaram a respeito do golpe, é de puro delírio a favor.


Giro Regional: Sabe-se que muitos artistas participaram da luta pela democracia, quais foram os principais ícones desse movimento?
Negrão: Grande parte dos artistas e dos intelectuais lutou contra a ditadura, mas é importante deixar claro também que isso não foi uma unanimidade. Teve gente que se deu bem com a ditaduta. Assim como é comum a gente falar “ah, os estudantes lutavam contra a ditadura”, a gente precisa olhar com muita clareza isso, porque você teve setores dos estudantes que eram a favor, que se beneficiaram da ditadura.
Foram vários os ícones, grandes cantores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, gente de teatro como Cacilda Becker, o pessoal do teatro de arena, do teatro oficina. Foram vários artistas e intelectuais que tiveram papel importante nessa luta de enfrentamento à ditadura, que não aceitaram calados, que na medida do possivel, enfrentaram a ditadura com o que tinham, que era a sua capacidade de produção intelectual.


Giro Regional: Qual a sua opinião sobre o golpe? Você é contra ou a favor?
Negrão: Completamente contra, porque o Golpe Militar significou um atraso muito intenso pro País. Atraso democrático, cultural e econômico. Se a gente olha do ponto de vista do interesse das maiorias, a gente vê que foi um passo atrás. O Brasil vinha consolidando um processo democrático, tinha problemas, mas vinha consolidando e o Golpe é um recuo de inúmeros passos atrás.


Giro Regional: Qual a grande diferença entre a juventude dos anos 60 para a juventude atual? Você acha que falta engajamento político?
Negrão: Eu acho que isso é um dos mitos que se cria, porque se imaginar que o conjunto da juventude estava na luta contra a ditadura é idolatrar o passado. Tinha muita gente que era engajada, que lutava contra a ditadura mas tinha muita gente a favor da ditadura e tinha muita gente que tava pouco se lixando. Eu acho que a juventude de hoje também tem seus motivos de luta, seus motivos de se organizar. Só que hoje ela não precisa lutar contra uma ditadura porque o país vive numa democracia. Eu acho que há tanta juventude engajada na melhora do avanço democrático do país quanto talvez ouvesse antes e também há tanta gente alienada, tanta gente pouco se lixando ou tanto jovem conservador, quanto também havia antes.


Giro Regional: Você consegue imaginar como seria o Brasil atualmente se não tivessemos atravessado todos esses anos de ditadura?
Negrão: É claro que isso é um exercício, que do ponto de vista científico, é uma adivinhação, mas se a gente analisa algumas perspectivas, algumas tendências que vinham se desenhando no país antes do Golpe, certamente que a gente teria hoje uma democracia mais consolidada. Nós temos uma democracia muito jovem, o Brasil voltou a eleger presidente em 1989, é muito pouco. Muitos dos nossos alunos aqui já tinham nascido. É uma democracia que avançou rapidamente, que vem se consolidando, mas talvez a gente estivesse num patamar mais consolidado desse avanço democrático.

Giro Regional
giroregional.com.br

"Nota de Repúdio - Instituto Vladimir Herzog"

DITADURA NUNCA MAIS!!!
Na foto o jornalista Vladimir Herzog, morto em outubro de 1975

O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, em entrevista a Miriam Leitão, das Organizações Globo, disse ontem (1/3/2012) que a Comissão da Verdade, prevista em lei sancionada pela Presidência da República em Novembro de 2010, é “maniqueísta” e parcial porque seu objetivo é “promover o esclarecimento de torturas, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres”. Acha ele que, para assegurar a imparcialidade da comissão, ela também deveria investigar atos de violência cometidos por aqueles que combatiam a ditadura.



Depois de sugerir que os desaparecimentos do deputado Rubens Paiva e de Stuart Angel só sensibilizam até hoje a opinião pública porque eles pertenciam às “classes favorecidas”, o general Rocha Paiva mostra duvidar de que a presidente Dilma Rousseff tenha sido torturada na época da ditadura. E, quando Miriam Leitão lembrou que “Vladimir Herzog foi se apresentar para depor e morreu”, Rocha Paiva questiona: “E quem disse que ele foi morto pelos agentes do Estado? Nisso há controvérsias. Ninguém pode afirmar.”


Como se alguém que se apresentara para depor não estivesse sob a guarda e a responsabilidade do Estado e de seus agentes. Como se assegurar a integridade física e a própria vida de um depoente, qualquer depoente, não fosse obrigação oficial fundamental do Estado e de seus agentes, a quem ele se apresentara. Como se a Justiça do Brasil já não houvesse reconhecido oficialmente, há 33 anos, em decorrência de processo movido pela viúva Clarice Herzog e seus filhos, que Vladimir Herzog foi preso, torturado e assassinado nos porões da ditadura, por agentes do Estado.

Além de tudo isso, posteriormente, em julgamento proferido no âmbito da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei nº 9.140/96, o próprio Estado brasileiro ratificou o reconhecimento dessa prisão ilegal, tortura e morte.

Ao indagar, mais adiante, “Quando é que não houve tortura no Brasil?”, o general tenta justificar em sua entrevista os martírios que foram perpetrados pela ditadura deixando entender que torturar é uma atividade legitimada e consagrada pelos usos e costumes nacionais.

General, tortura nunca foi usos e costumes, nem no Brasil nem em lugar algum. Sempre foi e é a violação do império da lei, que condena quem tortura. Tanto que a nossa Constituição Federal é taxativa ao determinar que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art.5º, inciso III). E impor o respeito à lei – não violá-la – é o dever precípuo mais básico dos agentes do Estado. Esses agentes estão cobertos pelo manto institucional, portanto exercem um poder infinitamente maior que qualquer outro cidadão.

É por isso, por ser um crime cometido pelo Estado – não por cidadãos comuns, julgados pela Justiça comum – que as torturas e mortes perpetradas por agentes do Estado e sob sua bandeira são o que precisa ser investigado e exposto pela Comissão da Verdade. Não acobertado pelo Estado ou por qualquer de suas instituições.

E a imparcialidade da Comissão estará em agir à luz da Justiça e da lei ao investigar e expor os crimes cometidos pelo Estado e seus agentes – não ao talante de quem detém o poder.

Tudo isso torna claro que a manifestação do general Luiz Eduardo Rocha Paiva atenta contra o Estado Democrático de Direito, também preconizado na Constituição Federal do Brasil, que tem entre seus fundamentos “a dignidade da pessoa humana”, além da República Federativa do Brasil reger-se nas suas relações internacionais pelos princípios, entre outros, da “prevalência dos direitos humanos” (Constituição Federal, arts. 1º, III, e 4º, II).

"INSTITUTO VLADIMIR HERZOG"