Batismo do rei Clóvis em 496.
Por Marilia Carrenho Camillo Coltri
Em algumas situações, após uma aula de 100 minutos sobre Idade Média, Alto Clero, Baixo Clero, Tribunal do Santo Ofício, Pecado da Usura, Santa Inquisição, Venda de Indulgências, escravidão e catequese, etc; meus alunos me olham com um misto de indignação e complacência e me perguntam curiosos: "Professora, que religião a senhora é?" Encabulada digo: "Católica, não praticante. Não fiz primeira comunhão, catecismo, crisma, isto é, fui cristianizada aos moldes dos povos bárbaros do Império Carolíngio, no século IV (1) e, tal como o rei franco Clóvis (2), porém quando criança, fui apenas batizada, pois minha mãe era a mais devota. Mas foi somente isso! Casei-me na Igreja Católica porque cumpri a penitência de um cursinho de meio sábado intitulado "Como formar uma família cristã". Ah! paguei também uma taxa de R$ 200,00 na época. Foi a permissão que recebi da Santa Igreja Católica Apostólica Romana de receber a benção de um padre que atrasou 1 hora e meia para a cerimônia.
Minha educação foi laica, tenho problemas com a Igreja Católica. Para completar minha formação secularizada fiz Ciências Sociais na PUC de São Paulo que, apesar de ser uma universidade católica, fazia sérias críticas ao poder político, principalmente no regime militar. Tínhamos à frente da pontifícia D. Paulo Evaristo Arns, que sabíamos defendia uma posição, em alguns momentos, ao reverso da própria santa igreja. A igreja apoiou o golpe mas depois rompeu com o regime. Ele usava saias, tal como disse Médici. A invasão da PUC foi um dos três momentos mais difíceis que Arns enfrentou quando então cardeal de São Paulo. Os outros dois foram o assassinato do Vladmir Herzog e do Guilherme Vannucchi Leme, na rua Tutóia, ponto de encontro dos torturadores na época. O que o salvou foi o protocolo existente entre o governo brasileiro e o vaticano, caso contrário ele teria ido para o pau de arara, também.
Minha experiência no terceiro setor fez nascer em mim a consciência crítica da diferença existente entre o assistencialismo e sustentabilidade. Esse meu afastamento da "santa" igreja confunde minhas crenças até hoje. Tenho dificuldades em trabalhar a minha fé. Creio, descrendo. A Teoria da Libertação e a "expulsão" de Leonardo Boff nos anos 80, seu maior expoente, me fizeram refletir. O maior pecado que sofri foi uma evangelização desgarrada da vida concreta. Gosto de ler a Bíblia como um grande livro de história mas procuro trazer essa leitura para a realidade dos fatos. Entrego pouca coisa prá Deus, aliás, absolutamente aquilo que não dou conta no plano material.
Admiro, sem sombra de dúvidas, a trajetória desse Anjo Bom. Pessoas como ela conseguem ver a injustiça não como sendo obra de Deus, mas sim dos homens e não rezam apenas, agem. Porém, são minoria nesse mundo clerical. Esse é um dos grandes motivos da Igreja Católica ter perdido tantos fiéis, a evangelização vinculada a um conformismo miserável, que prega a salvação somente no reino dos céus. As igrejas alternativas vinculam-se ao fato de que o cristão pode ser feliz nesse mundo terreno, elas são calcadas na prosperidade. Não é a miséria que eleva ao reino dos céus. A vida próspera deixou de ser pecado e o povo já sabe disso. Somente a igreja não percebeu.
(1) Primeira fase da da história da Igreja medieval, também conhecida como Império Carolíngio. Ao longo do século IV, os imperadores romanos se aproximaram do bispo de Roma com o objetivo de manter sua autoridade sobre a população que, diante da crise, passava a adotar o cristianismo. Essa época foi marcada pela atuação de numerosos missionários que cruzavam a Europa para atrair novos fiéis para o catolicismo. Copyright Editora Poliedro 2011.