"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém" Carta do Apóstolo Paulo aos Coríntios

"Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém [...]". (Carta do Apóstolo Paulo aos cristãos. Coríntios 6:12) Tudo posso, tudo quero, mas eu devo? Quero, mas não posso. Até posso, se burlar a regra; mas eu devo? Segundo o filósofo Mário Sérgio Cortella, ética é o conjunto de valores e princípios que [todos] usamos para definir as três grandes questões da vida, que são: QUERO, DEVO, POSSO. Tem coisas que eu quero, mas não posso. Tem coisas que eu posso, mas não devo. Tem coisas que eu devo, mas não quero. Cortella complementa "Quando temos paz de espírito? Temos paz de espírito quando aquilo que queremos é o que podemos e é o que devemos." (Cortella, 2009). Imagem Toscana, Itália.































sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Ilegitimidade do Estado Moderno: uma possível discussão



Camila A. Guedes*
Ricardo Brassarola Júnior *


RESUMO: Este artigo propõe-se a discutir os conflitos inerentes ao processo de “crise” de legitimidade do Estado Moderno, enquanto normalizador de conflitos e produtor de consensos. Para tanto, utilizaremos o artigo de Leopoldo Waizbort, como base para a construção dos nossos argumentos acerca do tema abordado.


Palavras-chave: Crise. Estado. Desemprego.


 A sociedade que está para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, uma sociedade que já não conhece aquelas outras atividades superiores e mais importantes em benefício das quais valeria a pena conquistar essa liberdade. Dentro dessa sociedade, que é igualitária porque é próprio do trabalho nivelar os homens, já não existem classes nem uma aristocracia de natureza política ou espiritual da qual pudesse ressurgir a restauração das outras capacidades o homem. (ARENDT, 2004, pg. 12).



Há uma nova perspectiva que no presente se impõe no contexto da articulação entre Estado moderno e o advento das recentes formas como se apresentam as divergências sociais inseridas dentro de uma economia capitalista avançada. Como é possível a esse Estado manter a legitimidade perante as novas condições sociais, sem que para isso necessite interferir demasiadamente no sistema econômico capitalista, uma vez que ele sempre procurou permanecer relativamente neutro diante do processo produtivo?
Tradicionalmente se reconhece que o Estado, dentro de uma visão moderna, ou seja, sendo constitucional, de direito e democrático, tem a função precípua de administrar os conflitos da sociedade, levando-os à esfera pública com o objetivo de alcançar um determinado consenso, e assim garantir a reprodução da sociedade. Além disso, tal Estado é não apenas incumbido de assegurar a continuidade do sistema econômico com o mínimo de interferência como também proteger os direitos dos indivíduos. Caso não seja mais capaz de dirimir os conflitos que se façam sentir dentro do conjunto do tecido social então o Estado estará diante de grandes dificuldades institucionais e terá um grave problema de legitimidade.
            Considerando a importância desse fenômeno para a organização estrutural da sociedade - que se classifica como “a frente de seu tempo” -, o presente artigo tem por finalidade, construir uma breve discussão acerca das conseqüências resultantes do processo de “crise” estrutural do Estado Moderno, tendo em vista, a complexidade do tema, bem como extenso debate que se constrói a partir das abordagens dos mais diversos autores, engajados nas mais diversas correntes de pensamento.
            Em função das limitações que determinamos, nossa abordagem terá como enfoque principal, a discussão acerca de alguns fatores que surgem como conseqüência da falta legitimidade do Estado, - dentro do panorama atual dos acontecimentos -, fazendo com que ocorra uma redefinição do seu papel enquanto instância “implementadora da ordem” (WAIZBORT, 1998).
            Comecemos com um problema de caráter essencialmente conflituoso: a questão da atual divisão da sociedade em classes, sob as quais o trabalho de Marx[1] resiste ao tempo, se tornando a principal referência para a discussão acerca dessa divisão.
Contudo, a partir da análise do artigo de Leopoldo Waizbort[2], observamos que, o principal definidor dos conflitos inerentes a sociedade pós-moderna, é a questão dos antagonismos de classes, ou seja, como nos diz o próprio autor: “os conflitos que perpassam a sociedade contemporânea são conflitos de classe” (WAIZBORT, 1998). No entanto, a sociedade contemporânea não se mostra mais configurada como classicamente em assalariados e proprietários, já não possui a mesma conformação cujas características o referido Estado até então foi capaz de preservar e regularizar com a pacificação dos conflitos, com garantia de segurança e trabalho, pois com o capitalismo industrial e seu desenvolvimento tecnológico a situação do desemprego estrutural e o processo de precarização do trabalho, causando sua fragmentação, retirou do trabalho o seu princípio fundamental ordenador e estruturador da sociedade.
Por conseguinte, a partir dessa conjuntura é que o trabalho se torna a questão essencial dos conflitos e o fator necessário da contestação da legitimidade do Estado, na medida em que este se torna incapaz de garantir o pleno emprego e acaba por permitir a condição incongruente da desigualdade. Assim, tem-se a divisão da sociedade em trabalhadores plenos, subempregados e desempregados. Outrossim, estabelece-se uma solidarização entre capital-trabalho em defesa de interesses em comum, demandando menor carga tributária e previdenciária, em detrimento dos interesses dos que não têm emprego sendo que, nesse ponto, o Estado atinge o momento culminante de crise na sua legitimação.
Outro agente que vem exercer uma função ainda mais constritora em torno da questão da legitimidade do Estado é o fenômeno dos novos movimentos sociais reivindicatórios, promovidos por minorias que se organizam em prol da defesa de interesses em comum, e passam a definir, dessa maneira, novas identidades coletivas. Esses movimentos, além de contestarem a legitimidade do Estado, surgem como formas de repolitização da esfera pública e “é justamente nos interstícios entre sistema e mundo da vida que se desenvolvem os novos potenciais de resistência, emancipação e protesto nas sociedades avançadas” (WAIZBORT, 1998). 
Por fim, é necessário destacar que aquele Estado que procurava administrar os conflitos da sociedade através das rotinas burocráticas e procedimentos adequados de consenso legitimava-se inequivocamente por meio de uma plataforma ideologicamente construída e definidora das identidades coletivas, a qual se empenhava em diluir os conflitos “através de mecanismos de alienação que transformam o indivíduo em clientes das burocracias estatais dominantes” (WAIZBORT, 1998), mas cujas bases, portanto, enfraqueceram-se na proporção em que tais identidades foram sendo alteradas, seja em virtude da modificação da condição estrutural do trabalho ou dos novos movimentos sociais.



REFERÊNCIAS

ARENTD, Hannah. A condição humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
MARX, Karl. O Capital. Vol. 3. São Paulo: Abril, 1985.
WAIZBORT, Leopoldo. Classe social, Estado e Ideologia. Tempo Social; Ver. Sociol. USP, S. Paulo, 10 (1): 65-81, maio de 1998.




* Acadêmica do 2º Semestre do Curso de História, da Faculdade de Educação, do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Itu/SP. 2010.
* Acadêmico do 2º Semestre do Curso de História, da Faculdade de Educação, do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Itu/SP. 2010.

Disciplina de Introdução às Ciências Sociais - Professora Esp. Marilia C. C. Coltri

[1] MARX.K. (1985) O Capital. Vol. 3. São Paulo, Ed.Abril.
[2] Graduado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1987), Mestre pela mesma Universidade (1992), Doutorado (1996), e livre-docente (2003). Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo, atuando nas áreas de sociologia da cultura, teoria sociológica, historia da sociologia, dentre outras.

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